sexta-feira, agosto 19, 2005

Mãe: o que acontece com a pessoa depois que ela morre?



Minha filha adora sashimi de atum. Insistiu para que fôssemos a um restaurante japonês. Mas como em época de férias a brincadeira é em tempo integral, levei a escova de dentes, certa de que a Gabriela adormeceria rapidinho no caminho para casa. Mas não. Viemos as duas ouvindo jazz e conversando durante todo o trajeto, de mais ou menos 20 minutos. Já bem perto de casa e sem nenhum motivo aparente a Gabriela me perguntou de repente: “Mãe: o que acontece com a pessoa depois que ela morre?”.

Meu Deus! Há quanto tempo não fazia essa pergunta a mim mesma? Qual era mesmo a minha convicção sobre esse assunto? Apesar de ter compreendido perfeitamente, pedi que ela repetisse a pergunta, como um artifício para ganhar tempo e buscar uma resposta satisfatória. Será que seguia crendo nos conceitos da minha formação judaica, de que as almas sobem ao paraíso aguardando a chegada do messias para um dia ressuscitar? Ou será que hoje em dia minha inclinação está mais próxima dos conceitos da cultura oriental, por influência das minhas práticas de yoga, e então acredito que a alma passe a um estágio mais evoluído, para voltar em outro corpo ou mesmo sob outra forma, seguindo seu carma? Ou será que simplesmente acredito que com a morte tudo se acaba? Não, essa última hipótese estava eliminada.

E então sem ter absoluta certeza do que dizia e como se as palavras saíssem do meu coração, respondi a pergunta da Gabriela. Restringi-me a dizer que além do corpo nós somos feitos também de alma, espírito, que é algo que não podemos ver ou tocar, mas que faz parte de nós. E quando nosso corpo morre, a alma vai para algum outro lugar, que ninguém sabe ao certo onde fica. Ela pareceu satisfeita com a resposta e exclamou surpresa: “Que legal! Eu não sabia disso”. Ufa! Foi uma mensagem positiva.

Cheguei em casa cansada, com a obrigação de arrumar malas para uma viagem e sentindo sobre mim o peso da responsabilidade por ter apresentado à minha filha a primeira informação da sua vida sobre morte e espiritualidade. Algum dia ela terá suas próprias crenças e convicções sobre esse assunto, com o qual eu própria, confesso, sempre lidei razoavelmente mal.

Antes de dormir não consegui deixar de refletir sobre uma coisa: por que foi que descartei instintivamente a terceira alternativa, sobre fim de tudo com a morte? Olhei pra minha filha dormindo, serena, abraçada a seu ursinho e então soube a resposta: a experiência milagrosa de dar a vida a um serzinho aparentemente tão frágil e ver subitamente transbordar uma curiosidade e sensibilidade assustadoras para quem conhece ainda tão pouco sobre o mundo, me obriga a acreditar que somos bem mais do que nosso corpo.