quinta-feira, agosto 25, 2005

Por que sempre a minha mãe sai cedo e não fica brincando comigo?


Quase todas as manhãs, quando saio invariavelmente apressada para trabalhar, minha filha Gabriela me acompanha até a porta para mais um beijo. Então deixo para passar batom ou colocar os brincos no carro e aproveitar mais um minuto dos seus afagos. Às vezes ela pergunta, fazendo um bico, porque sempre é a sua mãe quem deve sair cedo e deixá-la em casa. Outras vezes suas perguntas e comentários chegam a ser cruéis. Pergunta porque eu nunca gosto de brincar com ela pela manhã ou porque nunca estou presente para assistir ao sítio de pica-pau amarelo ou às braçadas que ela já sabe dar na natação. Inevitável: saio em conflito e de coração partido.


Outro dia a Gabriela passou a manhã na piscina do clube, com a babá. Quando fui apanhá-la, acabei surpreendida pelo comentário das mães de seus amiguinhos, algumas delas amigas minhas também. Contaram que a manhã foi alegre, de sol e muitos mergulhos para a Gabriela e seus amigos - a maior parte acompanhada de suas mães (tanto mães que não trabalham, como as que trabalham em horários flexíveis ou que simplesmente estava disponíveis naquela manhã). A Gabriela brincava alegre e num momento em que estavam quase todas as mães bem próximas, comentou: “ - Sabem, minha mãe não está aqui porque ela trabalha. E o trabalho dela é muito importante”.

Ouvi o comentário e por alguns instantes fiquei confusa. Enquanto para mim os comentários de minha filha são duros e as reclamações pela ausência constantes, para os outros a minha ausência é mais do que justificada por meu trabalho ser muito importante. 

Eu sabia que a Gabriela provavelmente ainda não compreendia a importância do trabalho.
E foi então que percebi que desde muito cedo temos a necessidade de proteger e defender as pessoas que amamos e de atribuir nossas derrotas, fracassos ou frustrações a algo instransponível ou muito importante. Assim como a Gabriela não ousou, perante seus amiguinhos, admitir que preferiria que eu também estivesse presente naquele momento, esse é um sentimento que muitos de nós carregamos pra sempre, de um modo quase instintivo. E então atribuímos um valor que às vezes não existe a uma porção de coisas, desdenhando das uvas que não podemos alcançar.

Na hora do almoço aproveitei para explicar à Gabriela que meu trabalho é efetivamente muito importante para mim, mas que não tem problema que ela sinta a minha falta nos momentos em que não estou presente. Ela continuou almoçando, perguntou pela sobremesa e não pareceu dar muita importância a esse assunto. A sobremesa era naquele momento muito importante para que fossemos mais longe naquela conversa.