segunda-feira, novembro 21, 2005

Quem é o maior da nossa família?


Abraçar uma filha é sempre delicioso. Mas o abraço na hora de dormir, quando você a cobre, deseja boa noite, bons sonhos e dentro do coração agradece pela felicidade de compartilhar todos os dias da companhia dessa pessoinha maravilhosa, é ainda mais especial. Talvez para expiar a culpa que alguns dias sinto por ficar o dia todo longe ou talvez por simplesmente sentir um enorme prazer, criei a rotina de sentar-me ao lado da cama da Gabriela e conversar, e cantar, e ler histórias para fazê-la dormir. Toda noite é a mesma coisa. E toda a noite é tão bom...

Desde que a Gabriela era um bebê criei o hábito de ler livrinhos pra ela. Passamos juntas as páginas, olhamos as ilustrações, eu leio, ela comenta. E não tem hora mais gostosa pra apanhar um livrinho do que a hora de dormir! Como sua atenção fica aos poucos mais presa a historinhas maiores, resolvi inovar e pela primeira vez lemos um livro em capítulos. Foi o delicioso Bem do seu tamanho, da Ana Maria Machado, com divertidas ilustrações da Mariana Massarani.

O momento da leitura passou a começar bem antes: na hora do jantar, com negociações demoradas sobre quantos capítulos leríamos naquela noite. Por alguns dias seguidos nossa rotininha da hora do sono ficou ligada àquele livro e as fascinantes aventuras da menina que queria descobrir se era grande ou pequena. Ao final dos sete capítulos, a Gabriela ficou quieta, pensativa. Não interferi, percebendo que aquela história de tamanho tinha perturbado um pouco suas ideias. Quando dei o beijo de boa noite veio a exclamação: “Já sei, mamãe, eu sou média”.

A conclusão foi divertida, já que ser médio pode mesmo ser a definição para quem tem 4 anos e, portanto, é pequeno demais pra algumas coisas e crescidinho o suficiente pra outras. Não me contive e perguntei: “Se você é média, o que eu sou?”. De sopetão ela respondeu: “Grande, oras”. Mas eu provoquei e perguntei sobre o tamanho do papai. A Lela coçou a cabeça e mudou de ideia: resolveu que ela era a média das crianças, eu era a média dos adultos e o papai era o grande dos adultos.

Dei uma gargalhada e a enchi de beijos apertados. Mas o papo não parava por aí. Ela queria saber quem era o maior da nossa família. Então foi a minha vez de responder de sopetão: “acho que é o papai”. Mas ela discordou, achando que o maior de todos era o Davizão, o namorado da vovó. E foi neste momento que a história que serviria pra embalar o sono a despertou de vez. A Gabriela sentou-se na cama e me perguntou:

“Ih mamãe, mas o Davizão é da nossa família???”.

E agora? Esta era uma daquelas em que não dava tempo pra pensar! Respondi que na verdade, tecnicamente, ele não era. Mas que por ser o namorado da vovó, nos o poderíamos considerar da família. Um turbilhão de pensamentos correu pela minha cabeça e me deparei com outra novidade, outra diferença enorme entre as nossas gerações, que a final de contas eram separadas por menos de 30 anos. Os novos conceitos de família eram parte da nossa vida, eram absolutamente naturais à Gabriela e a toda a sua geração. A tia que mora com o tio é tão tia quantas as tias casadas com outros tios! O marido da tia já era tio da Gabriela enquanto eles moravam juntos - e não se tornou mais tio apenas porque eles resolveram se casar. E o namorado da avó é realmente mais da família do que tios e primos que pouco frequentamos.

Já era tarde e os bocejos não a deixaram continuar. Ela apenas se permitiu encerrar a conversa, sem precisar de maiores explicações, respondendo às dúvidas com seus próprios sentimentos:

“Eu acho que o Davizão é da nossa família e ele, então, é o maior”.
Apaguei a luz (não antes de uns cafunés e beijinhos) e adorei a ideia de trazer pro nosso conceito de família as pessoas que queremos tão bem.