terça-feira, agosto 27, 2013

O mesmo livro. Muitas histórias!


As pequenas cidades do litoral podem ser muito especiais no inverno. Nas últimas férias pude aproveitar vários dias frios, porém azuis e ensolarados, numa praia de Santa Catarina, sul do Brasil, em companhia de meu marido e nossa filha Gabriela, de 4 anos. É a mesma praia que frequentamos nos verões, de águas claras e tranquilas, mas pouca gente circula, a brisa é constante, as crianças vão à praia de roupa. Há um charme e uma calma que não existem no verão. O sol não castiga, ninguém se sente obrigado a passar o dia todo na areia e então sobra tempo pra muita coisa. Há tempo para uma boa refeição, preparada por toda a família. Há tempo para dormir fora de hora. Há tempo para ler.
 
 
Apesar de cada dia ter sido diferente, acabamos criando uma rotina pela manhã cedo e outra no início da noite. Pela manhã, dávamos um longo passeio de bicicleta à beira mar. No início da noite, sentávamo-nos num Café em frente à praia para tomar um café ou chocolate quente, folhear revistas e ler para nossa filha alguns dos livros da pequena biblioteca, à disposição dos clientes do Café. Enquanto o chocolate quente era preparado, escolhíamos os livrinhos de contos de fadas clássicos. Eu lia os livros escolhidos e Gabriela acompanhava as ilustrações e o ritmo das histórias, fazendo comentários divertidos em suas passagens prediletas.

Na terceira noite já havíamos lido todos os livrinhos infantis do Café, alguns mais de uma vez. Gabriela, então, resolveu que seria ela quem “leria” as historinhas para mim. Achei uma ótima ideia (apesar de ela ainda não saber ler). E assim foi naquela noite: escolhidos três livros, começou a “ler” as histórias para mim. Sem interromper ou corrigir deixei que ela “lesse”. Eu ainda não sabia que começaríamos naquele Café uma experiência muito especial.
                     
Com um tom narrativo e muitas vezes mudando o timbre de voz nos diálogos entre os personagens, minha filhinha acompanhava as ilustrações, “lendo” as aventuras que eram contadas a partir de sua privilegiada memória, aliada à criatividade e à imaginação que apenas crianças de pouca idade são capazes de ter. Muitos dos desfechos que eram tristes passaram a ser divertidos. Personagens que eram malvados se redimiam ao final em lugar de serem punidos. Os reinos ganhavam nomes e cores. Nos banquetes dos bailes eram servidas sobremesas de chocolate. Protagonistas ou palavras de alguma historinha eram inseridos de uma maneira super habilidosa em outra. O último livro daquela noite foi Ali Babá e os Quarenta Ladrões e Gabriela “leu” assim a parte em que Ali Babá descobre a caverna:
 
“Ali Babá passeava pelas montanhas quando viu um grupo de muitos homens em frente a uma caverna. Um dos homens, com jeito de chefe, parou na frente da caverna e disse “abra-cadabra-pelo-de-cabra!”– e então uma grande mágica aconteceu”.

 
Naquele momento eu percebi que Gabriela estava mesmo “lendo”, partilhando histórias a partir das páginas dos livros e do significado de informações acumuladas em seus pouco mais de 4 anos. Era a mesma história, sob outra ótica, por outras palavras. Afinal, “abra-cadabra-pelo-de-cabra” é uma palavra tão mágica quanto “abre-te-sésamo”. E embora o texto original do livro não usasse a palavra mágica, o que significa caverna se abrindo além de um grande passe de mágica?

No retorno das férias tivemos a sensação de que os livrinhos da biblioteca de casa se haviam multiplicado! Passamos a ler histórias já conhecidas juntas, mais de uma vez na mesma noite. Eu lia a versão original, Gabriela lia o livro a seu modo. Às vezes repetia exatamente o texto que havia escutado, como estivesse realmente lendo, letra por letra. Outras vezes dava à ilustração a interpretação que o desenho lhe transmitia. O final podia ser o tradicional ou outro, completamente inusitado!
 
Passamos a fazer a mesma coisa com os livros trazidos semanalmente da biblioteca da escola e nossas sessões de leitura antes de dormir tornaram-se momentos únicos. Agora, a novidade é que invertemos a ordem da leitura quando a história é inédita: primeiro a Lelinha vê a capa e contra-capa do livro, passa as páginas, observa as ilustrações e “lê” a história como imagina que seja. Em seguida eu leio o livro, ela acompanha as ilustrações e damos muitas gargalhadas ao comparar as versões do autor e a que ela “leu”. Se já sabíamos que uma história pode ser contada de muitas maneiras, aprendemos que o mesmo livro pode contar diferentes histórias. Basta que uma criança tenha em mãos um livrinho e uma boa companhia.




1 Comments:

Blogger Sheila said...

OI Silvvi
Que bela surpresa:) Amei tudo que li... muito bom "fazer parte" desta familia que ja amo muito
Beijos e muito sucesso
Sheila

4:02 AM  

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