quinta-feira, outubro 10, 2013

“ O que ela quis dizer?” OU “Cadê a objetividade que estava aqui?”

6:30h, despertador. Bom dia com beijo na filha. Chama mais uma vez (porque ela volta pra debaixo do cobertor). Faz um suco, esquenta um pãozinho pra ela comer, sonolenta. Pega os caronas, leva todos pra escola. Chega em cima da hora pra aula de yoga: ooom! Uma passadinha em casa. Bom dia pra outra filha! Um rápido café da manhã, organiza o almoço, troca a roupa, responde a um email. Escritório. Mais emails, contratos, telefone, reunião. Ich! Já são 13:00h! Volta pra casa, almoça quase em pé. “Vamos, filha, vai chegar atrasada”. Escova os dentes, cata uma barrinha de cereal para o lanche. Mais um trânsito, deixa a pequena na escola, um beijo e “divirta-se”! E volta pro escritório. Mais contratos, consultas, pesquisas.  Telefone, telefone. Outros e-mails. E já escureceu! São 18:45h, a pequena está acabando a aula de ballet. Chega esbaforida, a aula já acabou. “Calça o tênis, veste o casaco, tá frio lá fora”. Oba! Pão de queijo quentinho na padaria e pra casa, finalmente. E então  hora do banho, arruma a mesa, organiza o jantar. E pra mais velha: “chega de internet”! 

Mas de repente... tudo se acalma. A mais velha estuda no quarto. A pequena brinca de bonecas no outro quarto. Marido ainda nem chegou... Será possível? Uma poltrona só pra mim! Controle remoto exclusivo e melhor: comédia romântica começada. Culpada: A-D-O-R-O! E é justo o gracinha “Cartas para Julieta”! [1]




Paisagens lindas na Itália, a alegria frenética de New York.  Love is in the air. Mas a paz dura pouco, é claro...

- “Mããae!  Vem aqui?”

- “Pode vir você, Paulinha”?

E ela vem!

- “O que você tá vendo?”.

-“Um filme bem lindo”!

-“Posso ver também?”

E não é que ela pode?! Nada proibido para pequenos, só romance e lugares bonitos, em breve a cena de uma linda festa de casamento no campo!

-“Senta aqui do meu lado”.

E então a mocinha do filme (Amanda Seyfried) percebe que seu noivo (Gael Garcia Bernal), chef de cozinha nova iorquino, já não é o amor da sua vida. O inglês que está na Itália (Chris Egan) roubou seu coração. Ela chega de surpresa ao restaurante do noivo e avisa que vai ao casamento dos amigos (Vanessa Redgrave e Franco Nero) na Itália, sozinha. Ele, percebendo a seriedade do assunto, esvazia a cozinha, ficando a sós com a amada. E então começa aquele papo : “Não é com você, amo o teu jeito, mas não está funcionando. Eu mudei, blá, blá, blá”.


A pequena Paula, do alto dos seus 5 anos, concentrada, atenta à cena, ao diálogo. E então vira-se pra mim, põe a mão em segredo no meu ouvido  - para os atores não ouvirem, certamente – e me pergunta baixinho:

-“O que ela quis dizer?”

- “ Que está acabando o namoro, Paulinha. Ela não vai mais ser a namorada dele”.

- “ Mas ela disse que amava e abraçou ele!”

E eu (já achando que foi uma tremenda bobagem deixar que ela me acompanhasse no final da comediazinha romântica!):

-“ Pois é. Acontece que não dá mais certo, eles são muito diferentes”.

E ela, tentando entender esta estranha e contraditória lógica:

-“ Ah! Naquele lugar, pra namorar, tem que se igual, assim, cabelo loiro com cabelo loiro!”.

E aí acabou toda a minha vontade de ficar sozinha, de relaxar na poltrona e ser a dona do controle remoto! Lembrei imediatamente porque adoro - e não posso desperdiçar jamais- a companhia das filhas, sempre que me chamarem ou que quiserem estar ao meu lado.

O relax veio da risada, em total desopilada ao final de um dia cansativo. Abracei a Paula, rimos juntas. Ela meio sem saber o porquê, mas adorando!

 E aí veio à minha cabeça uma inevitável pergunta:

Cadê a objetividade, a espontaneidade e a franqueza que estavam aqui? Que bicho comeu isso tudo, que morava na criança que fomos?

Se você dá um recado, falando das coisas do coração, principalmente, e alguém precisa perguntar: “o que ela quis dizer?”, alguma coisa não funcionou como deveria... Por que as pessoas se abraçam e sorriem quando gostariam apenas de dar um recado mais simples, objetivo, as simple as: não te amo mais ou não quero mais estar com você!?

Todo mundo costuma romantizar, dizendo que quando crescemos perdemos a pureza e a ingenuidade das crianças. Mas e o contrário? Já deu uma pensada em quantos sorrisos você deu quando queria, no fundo do teu coração, só mandar alguém procurar sua turma (isso se você for muiiito educado) e sumir da tua frente?

Agora, se vai dar pra alguém seguir a objetividade da Paulinha nos seus relacionamentos, sejam afetivos, sociais e profissionais, não sei não... O mais provável é que não dê. Os sorrisos amarelos continuarão a imperar, sem falar dos tapinhas nas costas, dos discursos moles e vazios, sempre com a desculpa de “não quero ofender” ou “não sei bem como dizer”.

Mas que é uma delícia exercitar e ficar imaginando como seriam a vida e os diálogos, no dia a dia, se tudo o que houvesse a ser dito, fosse dito e se ninguém precisasse, nunca, perguntar: “o que ela quis dizer”... Ah, isso é.
Tem coragem de sequer imaginar?



[1] Letters to Juliet é um filme norte-americano de romance lançado em 2010, dirigido por Gary Winick. Estrelado por Amanda Seyfried, Chris Egan, Vanessa Redgrave, Gael García Bernal e Franco Nero.
Data de lançamento: 14 de maio de 2010 (Estados Unidos)