“Mãe, quando eu crescer, vou ser assistente deste "padre prefeito", tá bom?”
Acho
que eu tinha uns 9 ou 10 anos quando o Papa João Paulo II visitou o Brasil.
Lembro bem da euforia! Mesmo estudando em escola judaica, todos os meus amigos
e eu sabíamos de trás pra frente a musiquinha : " À benção João de Deus, nosso povo te abraça, tu vens em missão
de paz, sê bem vindo e abençoa este povo que te ama!" Lembram?
Parece
que neste ano de 2013 a vinda do Papa Francisco causou comoção parecida! E o
Papa argentino é mesmo uma gracinha, cheio de carisma. E pelo menos aqui em casa, inspirou ideias.
Uma
noite dessas, ao final do Jornal Nacional, a Paula brincava na sala quando
parou tudo o que estava fazendo pra me anunciar:
- " Mãe,
quando eu crescer, vou ser assistente daquele "padre-prefeito", tá
bom?”
Na
hora, não entendi o que ela queria dizer e pedi que repetisse o que mesmo ela pretendia
ser:
-
"Assistente daquele padre-prefeito que tá sempre na TV, mãe! "
Claro
que dei muita risada! Minha primeira reação quase foi começar a explicar que
isso não era possível. Primeiro, porque além de mulher, ela é judia, o que é
uma combinação não muito óbvia para o perfil do cargo. Mas não precisou mais do
que 10 segundos pra eu perceber que alguém que tem 4 anos não precisa desta
explicação, até porque essa verdade está longe de ser absoluta. Ou alguém aí
imaginava, há uns 20 anos, que veria um presidente negro nos USA e uma mulher
no cargo mais alto do FMI? E verdade seja dita: ter um "móvel" com seu nome é puro glamour!
Ninguém além do Papa e do batman tem
este privilégio! Então, nem ousei discordar da escolha da Paulinha.
Uns
minutos depois, a brincadeira de legos estava de volta e não se falou mais no
assunto. Acontece que as coisas com a Paula não acabam assim, sem mais nem
menos. Quando menos se espera: eco! Sabe como aqueles "rabichos" de
filme, curtinhos, que aparecem depois dos créditos e são quase sempre geniais?
Estávamos
almoçando, num domingo, quando a Paula anunciou:
-"Decidi que
não vou mais ser assistente do "padre Francisco".
E
eu:
-
"É mesmo, Paula? E já escolheu outra coisa?"
Claro
que ela já tinha escolhido. E não só uma, como duas coisas:
- "Ou vou
ser a fada do dente ou caixa de supermercado".
Mais
uma vez a risada foi inevitável. E de novo, contive aquela reação quase natural
(ou pelo hábito da profissão!) de explicar que a fada do dente não existe e que
caixas de supermercado ganham muito mal, além de possivelmente esta ser uma
profissão em extinção, a ser substituída por terminais de pagamento automático.
E
assim vou aprendendo que "conter-se" às reações instantâneas é um
exercício obrigatório pra tornar o diálogo com as crianças rico e as deixarmos
formar sua personalidade. A final, quantos têm a coragem e a felicidade de
escolher seus caminhos e suas profissões movidos apenas pela vontade de seu
coração, seu dom ou vocação? Uma escolha genuína, sem pensar se seria muito
difícil chegar lá, se o retorno financeiro seria pequeno ou se decepcionaria
alguém? Quantos???
Então, eu me restringi a dizer que o legal mesmo é escolher o que nos deixa
feliz. Enchi minha pequena de um monte de beijos, abraços e esmagos e
tomamos sorvete juntas, enquanto eu torcia, dentro de mim, que ela seja uma das
poucas nesta contabilidade pobrinha de pessoas com escolhas autênticas. Amén!