E se for uma emergência muito grande?
Doce ilusão a de quem acredita
que com o segundo filho tudo é mais fácil! Achar que as perguntas mais
complicadas já foram respondidas, que já mergulhamos uma vez no universo das
cabecinhas de 3, 4, 5 anos e pronto: com o próximo o pacote já vem feito.
Até pode ser que a gente se sinta mais leve, descolado e capaz de ser criativo nas respostas. Mas as perguntas mais difíceis - pode crer! - veem sempre no momento e da maneira mais inesperada.
Falar sobre o abstrato, o oculto, a espiritualidade já é difícil pra quem passa toda uma vida estudando e pensado sobre o assunto. Imagina pra pai e mãe, com uma criaturinha de 4 anos.
Mas dessa vez eu escapei e assisti tudo de camarote. A vítima foi o André, meu marido.
A gente costuma revezar o papel
de fazer companhia, contar uma história ou conversar um pouco com a Paula na
hora de dormir. Uma noite dessas era o André que estava lá, deitado no chão do quarto,
esticando as costas e batendo um papo com a Paula. Saí do banho e vi que o papo
corria solto, percebi o André meio vacilante, ganhando tempo pra achar
respostas.
Fiquei do lado de fora, ouvindo um pouco daquela conversa – e dando muita risada!
Peguei o papo na hora em que o
André respondia:
- “Não, Paula, acho que ele não
tem uma forma, assim como as pessoas ou os bichos”.
E ela:
- “ Mas como assim? Ele existe e eu não posso ver?”.
- “É, não pode ver. Mas você pode às vezes sentir que Ele está ali perto, te ajudando, te protegendo”.
E aí saquei que o tema era Deus. Ôôô papinho complicado... Ufa! Deixa essa com o pai... E fiquei ali, de butuca. E a coisa continuou.
- “Mas onde que ele mora”?
- “ Ele não mora em nenhum lugar, mas em todos os lugares ao mesmo tempo”.
“ Ah, tá.... .” – e fez uma pausa.
- “Mas pai, eu não sei como Ele é, não posso ver, não sei nem onde mora – e se for uma emergência muito grande?”.
Foi uma risada só: o André no quarto, eu ali fora!
Virginiana como é, objetiva e
certeira: ela queria um “0800” ou um email pessoal! Essa abstração toda, sem
rosto nem endereço, não convenceu... As “emergências muito grandes” podem mesmo
aparecer. E se Ele tem mesmo o poder que todo mundo fala, está ali pra olhar e
proteger, não ter pra onde nem quem ao certo chamar pareceu não funcionar no
Universo da Paula.
O André não teve muito como sair
dessa. Desconversou, falou de um livrinho, disse que já era tarde.
Mas é aquela coisa. Os assuntos pra Paula são de certa forma bumerangues: vão embora por um tempo e logo, logo estarão de volta.
Então ela mesma resolveu, depois
de uns dias, nos contar como era Deus:
- “Já sei! Ele é como a luz do sol. É uma luz bem grande!. A gente pode sentir o calorzinho de qualquer lugar que a gente tá!”.
E não é que gostei dessa analogia? O que a gente mais quer, num momento de “emergência muito grande”, não é sentir um calor forte, uma luz que nos ilumine e nos mostre o caminho?
Dentro de sua necessidade de objetividade, ela chegou lá. E por enquanto é isso. E é mesmo mais do que suficiente pra ir formando sua própria noção de espiritualidade.
Mas garanto: se alguém aí disser que tem um endereço ou um "0800", a virginianazinha vai preferir!! Ah, se vai!