sexta-feira, setembro 20, 2013

E se for uma emergência muito grande?

Doce ilusão a de quem acredita que com o segundo filho tudo é mais fácil! Achar que as perguntas mais complicadas já foram respondidas, que já mergulhamos uma vez no universo das cabecinhas de 3, 4, 5 anos e pronto: com o próximo o pacote já vem feito.

Até pode ser que a gente se sinta mais leve, descolado e capaz de ser criativo nas respostas. Mas as perguntas mais difíceis - pode crer! - veem sempre no momento e da maneira mais inesperada.

Falar sobre o abstrato, o oculto, a espiritualidade já é difícil pra quem passa toda uma vida estudando e pensado sobre o assunto. Imagina pra pai e mãe, com uma criaturinha de 4 anos.
 

Mas dessa vez eu escapei e assisti tudo de camarote. A vítima foi o André, meu marido.

 
A gente costuma revezar o papel de fazer companhia, contar uma história ou conversar um pouco com a Paula na hora de dormir. Uma noite dessas era o André que estava lá, deitado no chão do quarto, esticando as costas e batendo um papo com a Paula. Saí do banho e vi que o papo corria solto, percebi o André meio vacilante, ganhando tempo pra achar respostas.
 

Fiquei do lado de fora, ouvindo um pouco daquela conversa – e dando muita risada!
Peguei o papo na hora em que o André respondia:
 - “Não, Paula, acho que ele não tem uma forma, assim como as pessoas ou os bichos”.

E ela:

- “ Mas como assim? Ele existe e eu não posso ver?”.

- “É, não pode ver. Mas você pode às vezes sentir que Ele está ali perto, te ajudando, te protegendo”.

E aí saquei que o tema era Deus. Ôôô papinho complicado... Ufa! Deixa essa com o pai... E fiquei ali, de butuca. E a coisa continuou.
- “Mas onde que ele mora”?

- “ Ele não mora em nenhum lugar, mas em todos os lugares ao mesmo tempo”.

“ Ah, tá.... .”  – e fez uma pausa.

- “Mas pai, eu não sei como Ele é, não posso ver, não sei nem onde mora – e se for uma emergência muito grande?”.

Foi uma risada só: o André no quarto, eu ali fora!
Virginiana como é, objetiva e certeira: ela queria um “0800” ou um email pessoal! Essa abstração toda, sem rosto nem endereço, não convenceu... As “emergências muito grandes” podem mesmo aparecer. E se Ele tem mesmo o poder que todo mundo fala, está ali pra olhar e proteger, não ter pra onde nem quem ao certo chamar pareceu não funcionar no Universo da Paula.
O André não teve muito como sair dessa. Desconversou, falou de um livrinho, disse que já era tarde.

Mas é aquela coisa. Os assuntos pra Paula são de certa forma bumerangues: vão embora por um tempo e logo, logo estarão de volta.
Então ela mesma resolveu, depois de uns dias, nos contar como era Deus:

- “Já sei! Ele é como a luz do sol. É uma luz bem grande!. A gente pode sentir o calorzinho de qualquer lugar que a gente tá!”.

E não é que gostei dessa analogia? O que a gente mais quer, num momento de “emergência muito grande”, não é sentir um calor forte, uma luz que nos ilumine e nos mostre o caminho?

Dentro de sua necessidade de objetividade, ela chegou lá. E por enquanto é isso. E é mesmo mais do que suficiente pra ir formando sua própria noção de espiritualidade.

Mas garanto: se alguém aí disser que tem um endereço ou um "0800", a virginianazinha vai preferir!! Ah, se vai!

segunda-feira, setembro 02, 2013

"Mãe, você vai me amar pra sempre, até quando você for avó dos meus filhinhos?"

É incrível como pegar o carro pra ir a qualquer lugar é um hábito (péssimo habito!) de quem vive em Curitiba. Quando a gente viaja, pra qualquer canto, o natural é justamente o oposto: caminhar o máximo possível, de um lugar pra outro ou sem rumo, "flanando", olhando casas, jardins, vitrines, conversando ou então curtindo os sons da cidade, quem sabe parando pra um café. E por que não fazer isso em casa, rompendo o ciclo da locomoção em quatro rodas e “pernas pra que te quero”? E não estou falando da caminhada pra se exercitar, pela ciclovia ou no parque, mas do passeio a pé, por aí. Sei, sei... tem o tempo cinzento e a falta do novo, da curiosidade por conhecer que motiva as caminhadas. Mas nem sempre é assim! Se a gente prestar a atenção há provavelmente mais dias gostosos do que cinzentos e a cidade é mais dinâmica do que parece das janelas do carro.

Então, no último sábado de agosto, lindo e ensolarado, decretei o dia de fazer o necessário a pé, levando minha filha Paula, de 4 anos, como minha companheira. E não foi uma voltinha na quadra, não! Foi um passeio que durou mais de 2 horas e do jeitinho que a gente faz quando viaja: parando pra ver um quintal bem cuidado, um ipê que começa a florir ou catando uma florzinha do chão; decidindo comer um brownie ANTES do almoço numa chocolateria nova (sim! há um monte de lugares novos no bairro que passam despercebidos!); entrando em algumas lojinhas de rua pra comprar presentes pros aniversariantes da semana (sim! há comércio bacana fora de shopping!); olhando vitrines e lojas de decoração pra inspirar um quarto mais colorido pra Paula. E no meio disso tudo, cantando de vez em quando, porque coisa deliciosa é caminhar de mãos dadas com a filha e cantar.

O resultado foi um percurso de uns 2km em que a Paula não reclamou NENHUMA vez de cansaço. Ela adorou a experiência de explorar tudo a pé, parando onde dava vontade e me fazendo companhia, tagarelando, contando novidades, perguntando... E tem jeito melhor de conversar com uma criança do que passeando por aí, sem pressa nem rumo exato? Tudo bem que nos trajetos de carro a gente também conversa. Mas a atenção maior é para o trânsito, tem o rádio quase sempre ligado e o papo não é de mãos dadas, olho no olho ou então olhando juntas pra mesma coisa que nos encante. É uma proximidade diferente e só quando a gente experimenta é que se pergunta por que demorou tanto a fazer!

O melhor de tudo é que a sensação não foi só minha: a Paula voltou pra casa numa alegria imensa! E olha que foi um passeio que não teve outras crianças, nem parquinho, jogo eletrônico, nem shopping, cinema, teatrinho e nem mesmo um ambiente especial na natureza, como mata ou mar. Foram só uns 10 ou 12 quarteirões, no nosso bairro e no bairro vizinho, mas com a atenção voltada uma pra outra, sem horário pra chegar a lugar algum.

A volta pra casa foi alegre e surpreendente. A Paula não ligou a TV, não brincou no IPad, não pediu um DVD. Ajudou a arrumar o quarto, a separar uns brinquedos e continuou as conversas, tranquila. Mais tarde, me convidou para um lanche, de repente me deu abraço bem gostoso e perguntou:

 "-Mãe, você vai me amar pra sempre, até quando você for avó dos meus filhinhos?"

Compreendi que esse era o jeito de uma figurinha de 4 anos expressar sua vontade de eternizar o momento. Acho que nunca recebi uma declaração de amor tão espontânea em forma de uma única pergunta! Então respondi com a mesma singeleza e verdade que marcaram o nosso dia:

- "Sim, para sempre. Amor de mãe é assim".

E alguém duvida?

Dormi especialmente leve. E prometi a mim mesma ampliar a quantidade de momentos como este, em que o simples prazer da companhia em passeios e caminhadas sem rumo certo seja o bastante para preencher um dia. E se você é daqueles que gosta de caminhar, a gente se vê, então, batendo pernas por aí.