terça-feira, agosto 30, 2005

Por que não posso ir com meus próprios amigos lindos?


Pelo segundo ano consecutivo passamos o ano novo em absoluta paz de espírito. Foram dias especiais na fazenda de amigos, perto de Tibagi. A paisagem dos cânions e dos campos é linda e são sete cachoeiras, algumas só pra escutar, outras pra olhar e várias pra tomar muito banho. A Gabriela fica em estado de êxtase! Nada é melhor pra quem tem quase 4 anos do que tomar banho de cachoeira, ainda mais acompanhada de amigos. E amigos mais velhos! Uma amiguinha de 6 anos e um amigo que já completou 8.

A caminhada até a praia, que é formada pela piscina natural de uma das cachoeiras, é bem tranquila. Mas nem por achar que há algum perigo é que pego a mão da Gabriela sempre que descemos a pé. Simplesmente o faço de modo automático, querendo seguir acompanhada da minha filha. Foi assim no primeiro dia e descemos conversando e cantando as músicas alegres, que a Gabriela adora. No segundo dia segui a automática rotina. Mas a Gabriela soltou a minha mão, seguiu num passo apressado e me perguntou: “Por que eu não posso ir na frente, com meus próprios amigos lindos?”

Fiquei atônita e experimentei uma repentina sensação de perda. A Gabriela sequer completou 4 anos e sou capaz de sentir, ainda, a sensação dela sugando meu peito. Como assim: “seguir na frente com meus próprios amigos lindos”? Até há cinco minutos eu era o que havia de mais lindo em sua vida!

Lutando contra a minha essência de mãe judia e ainda um pouco atordoada, não insisti. E soltei sua mão. A Gabriela seguiu feliz, uns passos à frente, acompanhando os amigos (que são mesmo crianças doces e lindas), conversando em direção ao banho de cachoeira. Acompanhei-a com os olhos, segui seus passos e seus tropeços com atenção. Mas a soltei, deixei que fosse. Livre, solta, pela primeira vez.

E naquele momento compreendi que aquela seria a primeira vez do que aconteceria pra sempre. Ela não era minha, não era do pai. Nosso papel, cada vez mais, seria observar, acompanhar e seguir junto, no ritmo de seus passos, sem que a pudéssemos prender pelas mãos ou por qualquer outra forma que a impedisse de seguir. Fiquei alguns minutos sentada numa pedra, observando as crianças rindo, mergulhando na cachoeira e a Gabriela aprendendo novas brincadeiras, atenta a tudo o que fosse novo. Soube, naquele exato momento que nem sempre ela estará acompanhada de “amigos lindos” e que seus tropeços podem ser maiores dos que aqueles pequenos deslizes que, atenta, presenciei. São muitos os caminhos que ela tem pra trilhar. E eles são só seus.

Em seguida ela correu pra junto de mim, me abraçou, me encheu de beijos de uma forma espontânea e maravilhosa como só ela sabe fazer. Aquele gesto me trouxe a certeza de que ela é do mundo, mas que a força de um amor intenso, amor de mãe, amor de pai, tem o poder de um bumerangue. É pra esse amor que a gente sempre volta, reabastece e segue a jornada.

Na subida, ela espontaneamente me estendeu a mão. Subimos juntas e novamente cantamos as canções que meninas de 4 anos gostam de cantar. Naquele dia o pôr do sol foi de um laranja forte, único. A Gabriela preferiu brincar de mãe-barata com as outras crianças e não quis deitar-se na rede para aproveitar aquele momento comigo. Tudo bem. Me senti leve e agradecida por ter compreendido que o desprendimento é da essência do verdadeiro amor.

quinta-feira, agosto 25, 2005

Por que sempre a minha mãe sai cedo e não fica brincando comigo?


Quase todas as manhãs, quando saio invariavelmente apressada para trabalhar, minha filha Gabriela me acompanha até a porta para mais um beijo. Então deixo para passar batom ou colocar os brincos no carro e aproveitar mais um minuto dos seus afagos. Às vezes ela pergunta, fazendo um bico, porque sempre é a sua mãe quem deve sair cedo e deixá-la em casa. Outras vezes suas perguntas e comentários chegam a ser cruéis. Pergunta porque eu nunca gosto de brincar com ela pela manhã ou porque nunca estou presente para assistir ao sítio de pica-pau amarelo ou às braçadas que ela já sabe dar na natação. Inevitável: saio em conflito e de coração partido.


Outro dia a Gabriela passou a manhã na piscina do clube, com a babá. Quando fui apanhá-la, acabei surpreendida pelo comentário das mães de seus amiguinhos, algumas delas amigas minhas também. Contaram que a manhã foi alegre, de sol e muitos mergulhos para a Gabriela e seus amigos - a maior parte acompanhada de suas mães (tanto mães que não trabalham, como as que trabalham em horários flexíveis ou que simplesmente estava disponíveis naquela manhã). A Gabriela brincava alegre e num momento em que estavam quase todas as mães bem próximas, comentou: “ - Sabem, minha mãe não está aqui porque ela trabalha. E o trabalho dela é muito importante”.

Ouvi o comentário e por alguns instantes fiquei confusa. Enquanto para mim os comentários de minha filha são duros e as reclamações pela ausência constantes, para os outros a minha ausência é mais do que justificada por meu trabalho ser muito importante. 

Eu sabia que a Gabriela provavelmente ainda não compreendia a importância do trabalho.
E foi então que percebi que desde muito cedo temos a necessidade de proteger e defender as pessoas que amamos e de atribuir nossas derrotas, fracassos ou frustrações a algo instransponível ou muito importante. Assim como a Gabriela não ousou, perante seus amiguinhos, admitir que preferiria que eu também estivesse presente naquele momento, esse é um sentimento que muitos de nós carregamos pra sempre, de um modo quase instintivo. E então atribuímos um valor que às vezes não existe a uma porção de coisas, desdenhando das uvas que não podemos alcançar.

Na hora do almoço aproveitei para explicar à Gabriela que meu trabalho é efetivamente muito importante para mim, mas que não tem problema que ela sinta a minha falta nos momentos em que não estou presente. Ela continuou almoçando, perguntou pela sobremesa e não pareceu dar muita importância a esse assunto. A sobremesa era naquele momento muito importante para que fossemos mais longe naquela conversa.

sexta-feira, agosto 19, 2005

Mãe: o que acontece com a pessoa depois que ela morre?



Minha filha adora sashimi de atum. Insistiu para que fôssemos a um restaurante japonês. Mas como em época de férias a brincadeira é em tempo integral, levei a escova de dentes, certa de que a Gabriela adormeceria rapidinho no caminho para casa. Mas não. Viemos as duas ouvindo jazz e conversando durante todo o trajeto, de mais ou menos 20 minutos. Já bem perto de casa e sem nenhum motivo aparente a Gabriela me perguntou de repente: “Mãe: o que acontece com a pessoa depois que ela morre?”.

Meu Deus! Há quanto tempo não fazia essa pergunta a mim mesma? Qual era mesmo a minha convicção sobre esse assunto? Apesar de ter compreendido perfeitamente, pedi que ela repetisse a pergunta, como um artifício para ganhar tempo e buscar uma resposta satisfatória. Será que seguia crendo nos conceitos da minha formação judaica, de que as almas sobem ao paraíso aguardando a chegada do messias para um dia ressuscitar? Ou será que hoje em dia minha inclinação está mais próxima dos conceitos da cultura oriental, por influência das minhas práticas de yoga, e então acredito que a alma passe a um estágio mais evoluído, para voltar em outro corpo ou mesmo sob outra forma, seguindo seu carma? Ou será que simplesmente acredito que com a morte tudo se acaba? Não, essa última hipótese estava eliminada.

E então sem ter absoluta certeza do que dizia e como se as palavras saíssem do meu coração, respondi a pergunta da Gabriela. Restringi-me a dizer que além do corpo nós somos feitos também de alma, espírito, que é algo que não podemos ver ou tocar, mas que faz parte de nós. E quando nosso corpo morre, a alma vai para algum outro lugar, que ninguém sabe ao certo onde fica. Ela pareceu satisfeita com a resposta e exclamou surpresa: “Que legal! Eu não sabia disso”. Ufa! Foi uma mensagem positiva.

Cheguei em casa cansada, com a obrigação de arrumar malas para uma viagem e sentindo sobre mim o peso da responsabilidade por ter apresentado à minha filha a primeira informação da sua vida sobre morte e espiritualidade. Algum dia ela terá suas próprias crenças e convicções sobre esse assunto, com o qual eu própria, confesso, sempre lidei razoavelmente mal.

Antes de dormir não consegui deixar de refletir sobre uma coisa: por que foi que descartei instintivamente a terceira alternativa, sobre fim de tudo com a morte? Olhei pra minha filha dormindo, serena, abraçada a seu ursinho e então soube a resposta: a experiência milagrosa de dar a vida a um serzinho aparentemente tão frágil e ver subitamente transbordar uma curiosidade e sensibilidade assustadoras para quem conhece ainda tão pouco sobre o mundo, me obriga a acreditar que somos bem mais do que nosso corpo.

terça-feira, agosto 16, 2005

Mãe, com quem você era casada antes e qual era teu outro trabalho?


Às vezes a gente não tem a impressão de que uma reunião não vai terminar nunca mais? Quinta-feira foi um dia desses. Estava louca pra chegar em casa cedo, tomar um banho de banheira demorado, perfumado, pôr um vestidinho preto, sandália nova e me maquiar para ir ao coquetel de abertura de uma exposição de fotografias. Mas só consegui chegar em casa às 20:00h. Meu sogro já estava por lá, brincando com a minha filha Gabriela. Preparei rapidinho o quarto pra ele passar a noite e os meus preparativos para o coquetel acabaram sendo bem mais acelerados!

O André, meu marido, cozinhou umas espigas de milho para o jantar da Gabriela e de meu sogro. Pedi à Gabriela que me ajudasse a arrumar a mesa enquanto eu separava seu pijaminha. Ela pegou os pequenos garfinhos pra espetar a espiga - que ela tanto adora! - e quis saber quem foi que me deu aquilo. E quem foi mesmo que me deu os tais garfinhos? Ah, sim! foi o Guilherme, como presente no amigo secreto de R$1,99, na festa de Natal de 1998, na casa de nosso amigo Pedro. A Gabriela quis então saber quem é o Guilherme. Expliquei que era o ex-marido de minha amiga Mônica e ex-sócio do Dado, amigo de seu pai. A Gabriela então emendou a conversa querendo saber com quem eu era casada antes e qual era o meu o meu trabalho antes que eu fosse advogada. Como assim: com quem eu fui casada antes? E porquê perguntar qual foi o meu outro trabalho? De onde essa menina tira essas ideias? Ela não tem nem 4 anos!

Enquanto me arrumava e tomávamos uma taça de vinho, voltei a lembrar da festa de Natal em 98 e comentei com o André e o meu sogro como foi divertido. E naturalmente comecei a lembrar dos amigos que estavam por lá. À medida em que percorria meus registros lembrava dos nomes dos casais, do que cada um fazia naquele ano. E lentamente comecei a perceber que dos 8 casais que brindaram animados naquela comemoração, restamos apenas o André e eu casados. E então me dei conta de que de todas as pessoas que estavam na casa do meu amigo Pedro naquela noite, eu era a única, exclusivamente a única, que mantinha a mesma profissão, no mesmo escritório, na mesma sociedade, há 10 anos!

Subitamente entendi as perguntas da Gabriela e pude perceber que eram todas absolutamente naturais para quem já nasceu vivenciando, todos os dias, as pessoas à sua volta mudarem. Mudam de profissão, mudam de parceiros, mudam de cidade. Distraída em meus pensamentos voltei para a conversa justamente quando a Gabriela fazia perguntas ao avô sobre sua nova namorada e comentava sobre o atual namorado da avó. Ri sozinha ao perceber que a Gabriela faz parte de uma geração que tem avós que namoram! 30 anos atrás quem apresentaria para seus amiguinhos do jardim de infância o namorado da avó? Isso é novo. E é provavelmente positivo.

Já estava tarde e achei melhor acabar de me maquiar e abotoar a sandália no elevador. Beijei minha filha que ficou com meu sogro assistindo ao Discovery Kids e passamos pra pegar nossa amiga Vivi - que acaba de chegar de mudança do Rio de Janeiro para enfrentar uma nova profissão e hoje mora de aluguel no ex aparamento do Pedro, quem mudou-se para São Paulo, mudou de trabalho e de namorada. Fomos para o tal coquetel, vimos fotos maravilhosas de lugares distantes e acabamos a noite num restaurante interessante, tomando vinho e jogando conversa fora com um casal de amigos que em breve vai ter um filho. Sorte deles que poderão viver a experiência fantástica dos diálogos rotineiros com uma criança.

As balinhas de chocolate que vieram com o café expresso eu trouxe pra Gabriela, que dormia fundo quando a gente chegou em casa, às 02:00h da manhã. Ela fez uns barulhinhos. Acho que estava sonhando, processando informações. Por uns instantes refleti uma vez mais sobre todas as pessoas daquela festa de 1998 e sobre seus destinos e me senti diferente por ter o mesmo marido e o mesmo trabalho há 10 anos. E em seguida dormi relaxada, nos braços que eu adoro e já conheço tão bem, pra acordar cedo, jogar tênis e ir trabalhar.

Espero que os clientes da reunião das 11:00h não atrasem. Reuniões na hora do almoço ou do jantar parecem não acabar nunca mais.